Improvável: Priest Holmes

O estádio estava em transe.

Aquele tipo de silêncio elétrico que antecede o rugido. Arrowhead parecia inclinar-se para frente enquanto o número 31 rompía o espaço entre gigantes, cortando a defesa com passos curtos e precisos.

A bola em seu braço, os pés batendo na grama e, ao cruzar a linha pintada de branco, Priest Holmes não marcou apenas mais um ponto. Naquele instante a história foi reescrita: o jogador se conquistou o então recorde de touchdowns em uma única temporada.

Camisas vermelhas explodiram, rádios chiarem, câmeras caçaram o rosto de quem já não cabia em si mesmo. Era consagração e surpresa ao mesmo tempo — porque, poucos anos antes, aquele homem fora ignorado, descartado, subestimado.

Essa é a improvável história de Priest Holmes.

Das ruas de San Antonio ao mundo

📸: Kansas City Chiefs
📸: Kansas City Chiefs

Priest Holmes cresceu em San Antonio, Texas, jogando em campos de terra batida, sempre com a sensação de que precisava provar mais que os outros. No ensino médio, levou sua escola, John Marshall High School, até a final estadual. Mesmo brilhando, ainda havia dúvidas: pequeno demais, frágil demais, talvez nunca fosse feito para o próximo nível.

Seu treinador na época, David Visentine, detalhou os problemas em seu recrutamento:

“Eu o achava melhor do que alguns olheiros pensavam … Eles sempre foram um pouco céticos quanto à sua velocidade. Eu dizia: ‘Ei, assistam os vídeos. Assistam aos vídeos. Ninguém o alcança. Quão rápido vocês querem que ele seja? Ninguém consegue alcançá-lo!”


Os esforços garantiram uma grande oportunidade: Holmes conseguiu uma vaga na prestigiada Universidade de Texas. Lá, no entanto, sua promessa virou incerteza. Lesões o limitaram, roubando sua chance de ser a estrela que imaginava. Os números apareciam em lampejos, quando todos queriam ver consistência.

A primeira grande aparição na universidade veio em 1994, no Sun Bowl, contra a Mack Brown North Carolina. Após isso, em 1996, dividiu o backfield de Texas com outro lendário running back: Ricky Williams. A coroação da sua carreira universitária veio no Big 12 Championship Game, contra Nebraska, onde, mesmo com poucas chances, conquistou 120 jardas terrestres e 3 touchdowns.

Holmes se lembra desse momento até hoje, principalmente por um detalhe importantíssimo:

“Há algo especial sobre aquele jogo que muitas pessoas não perceberam: Dick Vermeil foi o comentarista daquela partida.”


Quando o Draft de 1997 chegou, cada rodada foi um lembrete cruel: ninguém estava disposto a apostar em Priest Holmes.

O que sobrou foi a porta dos fundos. Baltimore lhe ofereceu um contrato de novato não-draftado, sem garantias, sem espaço, apenas uma chance de sobreviver. Nos Ravens, viveu quatro anos de silêncio, carregando a bola em momentos esparços, sempre atrás de alguém mais badalado. Até conquistou um anel no Super Bowl XXXV, mas ele sabia: era apenas o figurante em uma história que não era sua.

De coadjuvante a protagonista

📸: Kansas City Chiefs
📸: Kansas City Chiefs

“Houve uma ligação para mim e o técnico Dick Vermeil disse: ‘Vamos seguir por um de dois caminhos. Ou pegamos um quarterback mais jovem e um running back mais jovem do draft, ou subimos na escolha para pegar Trent Green e, claro, você viria com ele.'”


Assim se deu a mudança para Kansas City. De repente, o coadjuvante silencioso dos Ravens tinha uma chance de protagonizar. A franquia estava apostando nele, não como um complemento, mas como peça essencial.

A aposta de Vermeil, o mesmo que comentou seu primeiro grande momento em Texas, não decepcionou. Desde o primeiro ano, Holmes mostrou verdadeira a fala do seu treinador do ensino médio: por um bom tempo, ninguém o alcançou.

“Eu conhecia o Priest, mas acho que nenhum de nós imaginava que ele fosse capaz de fazer as grandes coisas que fez aqui em Kansas City,” disse o ex-companheiro de time Dante Hall.


Tony Richardson, seu companheiro de backfield, revelou sua admiração e seu sentimento sobre Holmes:

“Esse cara surge do nada e eu fiquei tipo: ‘Quem é esse garoto?’ … Eu sei que meio que me deixaram correr com a bola porque eu fui o running back no ano passado, mas eu realmente acredito em você … Para termos algum sucesso, eu vou tomar a decisão. Vou ser seu fullback. Quero que você seja nosso running back. Vou bloquear para você e vou deixar os treinadores saberem o que eu penso sobre isso.”


Cada corte, cada aceleração, cada touchdown parecia desafiar aqueles que um dia duvidaram de sua velocidade e capacidade.

Mas, como tantas histórias improváveis na NFL, a ascensão de Holmes encontrou limites. Lesões no quadril e, mais tarde, problemas no pescoço começaram a cobrar seu preço. Cada corrida que antes parecia fluir sem esforço passou a carregar o peso da fragilidade física.

Em 2007, depois de tentativas de retorno e de sentir que seu corpo não aguentaria mais, Priest Holmes tomou a decisão que ninguém queria ouvir: se aposentou da NFL. O número 31 deixava o campo não por falta de talento, mas porque o próprio corpo disse que era hora de parar.

Ainda assim, o legado daquele homem que surgiu do nada, que se transformou de coadjuvante em estrela, permanece. Kansas City jamais esqueceu o running back que desafiou expectativas, que correu mais rápido que as dúvidas de todos, e que por alguns anos fez cada snap valer a pena.

Improvável, inesquecível, eterno

📸: Kansas City Chiefs
📸: Kansas City Chiefs

Mesmo após a aposentadoria, o nome de Priest Holmes ecoa em Kansas City. Não apenas pelos números, mas pela sensação de que, durante alguns anos, cada jogada que ele fazia tinha um toque de magia.

Entre 2001 e 2003, não só se firmou como titular absoluto, como se tornou uma força dominante na NFL, quebrando tanto tackles quanto recordes. Foram 6.566 jardas e 61 touchdowns totais. Quebrou o recorde da época de touchdowns terrestres em uma única temporada com 27.

Mas o legado vai além das estatísticas. Holmes redefiniu o que significava ser um running back na NFL moderna: menor que a maioria, subestimado, ignorado no Draft, ele provou que coragem, inteligência e determinação podem superar limites físicos e expectativas alheias.

Peter King, lendário jornalista da Sports Illustrated foi apenas mais um dos apaixonados pela história de Holmes:

“Ele era como um meteorito … Acho que uma das grandes coisas sobre Priest Holmes é que tudo aconteceu de forma tão inesperada”


Kansas City se lembra de cada corte, cada aceleração e cada touchdown como momentos em que a improbabilidade se transformava em espetáculo. Para quem acompanha a história da franquia, Priest Holmes não é apenas um jogador, é um símbolo trabalho, doação e perseverança.

A trajetória de Holmes não ficou dentro de campo. Ele estendeu sua determinação e espírito de superação para quem mais precisa. A Priest Holmes Foundation ajuda crianças e famílias em situação de vulnerabilidade, oferecendo programas de educação, esportes e desenvolvimento pessoal. Assim como em cada touchdown ou recorde, Holmes mostra que a perseverança pode transformar vidas, dentro e fora do estádio

A vitória da improbabilidade

Priest Holmes surgiu do nada. Subestimado por olheiros, limitado fisicamente para os padrões profissionais, ignorado pelo Draft… E, mesmo assim, correu mais rápido que as dúvidas de todos, quebrou recordes, desafiou expectativas e fez Kansas City sonhar como nunca antes.

Cada momento em que a bola encontrava com suas mãos parecia desafiar a lógica e reescrever o que se acreditava possível na NFL. Holmes provou que determinação, coragem e talento podem transformar a improbabilidade em legado. De improvável a inevitável, deixou seu legado também fora dos campos, inspirando novas gerações.

Improvável? Sem dúvida. Mas é justamente essa improbabilidade que torna sua história inesquecível. Um exemplo eterno. Uma lenda.

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